Update Conheça toda a história deste texto e suas repercussões ao longo dos anos baixando o e-book A Poli como Ela é... — O Livro.

 

 



"A certa altura da vida, vai ficando possível dar balanço no passado sem cair em autocomplacência, pois o nosso testemunho se torna registro da experiência de muitos que, pertencendo ao que se denomina uma geração, julgam-se a princípio diferentes uns dos outros e vão, aos poucos, ficando tão iguais, que acabam desaparecendo como indivíduos para se dissolverem nas características gerais de sua época. Então, registrar o passado não é falar de si; é falar dos que participaram de uma certa ordem de interesses e de visão do mundo, no momento particular do tempo que se deseja evocar." (Antonio Cândido)

"A verdadeira literatura humilha o homem, ultraja sua cultura, debocha de suas ambições. A verdadeira literatura degrada a humanidade inteira. A humanidade degradada não impõe sua idiotia." (Diogo Mainardi)





 

O Texto

"A Poli como Ela é" — artigo que causou celeuma nos meios acadêmicos — surgiu no meio de um turbilhão que misturava: o desgosto e o desapontamento com seis longos anos de Poli (USP); a procura exaustiva por uma posição minimamente satisfatória no mercado de trabalho; as pressões dos infindáveis projetos de formatura e das provas; as cobranças e repreensões no Estágio; dois cursos de línguas em nível avançado (Inglês e Francês); uma namorada que também se formava; e, por fim, a eterna dúvida vocacional: Engenharia ou Literatura?

Embora hoje não mais acredite que esse texto tenha sido a melhor forma de expor os problemas da Poli, naquele então (set. 1997), foi a única maneira que encontrei para estravazar toda a aflição e revolta que doze semestres em salas de aula, bibliotecas, mesas de estudo e em disputas internas com os colegas e com o professorado me proporcionaram. Acredito que fui extremamente fiel aos sentimentos da época — ainda que tenha traído visões passadas ou futuras da mesma problemática.

Minerva (símbolo da Politénica da USP)
Borelli, Brisac, Haiama, Eu, Sztajn e Daniel (jan. 1998)

Ainda que encolerado na superficie, fui meticuloso no ataque e procurei construir uma argumentação sólida, que abrangesse os aspectos que considerava principais, a saber: Vestibular, Carga Horária, Aulas Téoricas e Práticas, Corpo Docente e Discente, Reforma Curricular, Instalações e, claro, as motivações centrais de todo aquele estado de coisas. Pode-se dizer, igualmente, que esperei pelo momento certo (último semestre do 5º ano) para montar um quadro cheio de experiências e de opiniões (acumuladas em cada etapa do processo de formação de um engenheiro politécnico), buscando sempre a maior abrangência possível. Foram dias rememorando episódios e enumerando detalhes que uma vez reunidos e encadeados em seqüência lógica produziram um verdadeiro dossiê sobre os horrores e as tragédias da Escola — como nunca antes houve.

Imaginei, temeroso, que as reações ao texto (por parte dos dirigentes e dos funcionários da Poli) viriam tão encoleradas quanto a minha. Havia composto uma versão em que dava nome aos bois — porém, na última hora, achei por bem não me centrar em ataques pessoais. Pensei, nos momentos de maior hesitação, em não assinar. Já me imaginava suspenso e perdendo o diploma pelo qual tanto lutara. (Pensando bem, corri um risco enorme.)


Reações dos Professores

Ainda que não tenha havido reações violentas, por parte dos professores, houve reações. Elas se manifestaram entre ingênuas e compreensivas, entre estupefatas e cautelosas, entre solidárias e paternalistas. Não houve, no entanto, como eu esperava, um repoche, ponto-a-ponto, ao meu ataque. No fim, o que houve foi que os mestres mais respeitados e mais "poderosos" não me levaram a sério. Fizeram-se de desentendidos, posaram de indiferentes e esperaram a poeira baixar.

Ainda que desconfie da má vontade com que a banca examinadora julgou o projeto de formatura de meu grupo, não posso considerar isso uma reação. Não posso considerar que tenham descontado sua raiva (contra mim) também em meus colegas Marcelo Sztajn e Marcelo Worms de Brisac — que, embora concordassem com muitas de minhas opiniões, não eram formalmente co-autores de "A Poli como Ela é...".

Ainda no âmbito dos professores, vale registrar aqui o debate com a professora Edith Ranzini. Ela me enviou uma mensagem em que se dizia surpresa e preocupada. Tomei como provocação e, inspirado pela flama da polêmica, produzi uma resposta tão longa e tão detalhada, que pode ser considerada um adendo ao texto principal.


Reações de Colegas, Amigos e Simpatizantes

Capa do Condutor (Órgão Representativo do Centro de Engenharia Elétrica)Seguida à publicação no periódico da Engenharia Elétrica (único que não me recusou, pois eu conhecia pessoalmente seus editores), vieram as reações dos colegas. Quer dizer: de um colega.

Os demais não se manifestaram por escrito. Muitos passaram a me olhar meio de viés, desconfiados — como se houvesse me transformado numa outra pessoa, num ser alienígena. Em geral, não reconheceram naquelas linhas a figura pacata, às vezes mal-humorada (como todos) por causa dos transtornos que a Poli nos proporcionava. Alguns me prometeram respostas. Respostas que jamais me enviaram; talvez por não querer corroborar com um suicida (e ter sua conclusão de curso ameaçada).

Minha turma de Engenharia de Computação (fins de 1997)Ao mesmo tempo, todavia, penso que representava muitos desses que não se manifestaram. Pois, passado o auge do episódio, cansei de receber pedidos de gente que queria uma cópia para reler, para mostrar aos amigos, para divulgar. Ainda hoje me procuram para comentar e para saber em que lugar da Internet o texto pode ser encontrado. Vejo, então, que ao menos contribuí para o amadurecimento de certas questões na cabeça dos "sobreviventes" e dos estudantes da Politécnica.

Mas voltando à USP, fui, como disse, recusado em massa. Corri atrás do Jornal da USP, dos jornais da ECA (Escola de Comunicação e Artes), de jornais de outras unidades, do Politreco, da Revista da Poli, dos centros acadêmicos da Engenharia Mecânica, da Química, da Civil, da Engenharia de Produção — todos se recusaram a publicar meu texto. Alguns nunca deram resposta. Outros acharam que não era uma pauta relevante para a USP como um todo. Fiquei ainda mais desapontado. Desapontado com a acomodação e a parcimônia daqueles universitários que, no fundo, se revelavam uns revoltados de araque, uns insatisfeitos de butique, uns meros reclamões de ocasião.

Para não dizer que ninguém me foi solidário, o Jornal do Campus me citou dentro de duas matérias sobre a Reforma Curricular da Poli, e o Informa CEC (periódico da Engenharia Civil) fez alusão à edição do Condutor (periódico da Engenharia Elétrica), em que meu texto foi publicado na íntegra.


Citação na Coluna de Luís Nassif

A redenção veio, como já disse, com a aparição de um trecho de "A Poli como Ela é..." na coluna de Luís Nassif de 12 de dezembro de 1997, na Folha de S. Paulo. Naquele particular momento da conjuntura macro-econômica, ele andava escrevendo sobre pesquisa, sobre incentivos, sobre ciência e universidade. Justamente indignado, abordava o assunto, por meio de comparação e de e-mails que recebia, exemplificando e evocando nomes de pessoas e de situações de que tomava conhecimento. Imaginei que poderia ser uma oportunidade de chamar-lhe a atenção para as mazelas da Poli, trazendo junto, quem sabe, outros papas da Imprensa. Contei resumidamente a história do que havia feito e do propósito do texto, remetendo-lhe uma cópia por e-mail. Dias depois, quase caí da cadeira ao ler aquela coluna de 12 de dezembro que principiava com o que ele chamou de "trechos de uma crônica arrasadora de J. D. Borges, quintanista de elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, sobre sua faculdade, uma das mais reputadas do país". Texto do Luis Nassif (dez. 1997)

Reações Posteriores ao Artigo de Luís Nassif e à Edição do Compêndio

Capa do compêndio "A Poli como Ela é..."

Ao perceber que a polêmica ultrapassara os domínios da Poli e da própria USP, tratei de montar um compêndio com as reações de professores, de alunos e de amigos — anteriores e posteriores ao artigo de Luís Nassif. Distribui meu escrito para conhecidos e pouco conhecidos e colhi umas boas impressões que apresento também aqui na íntegra. Destacaria as contribuições do professor Felipe Miguel Pait, dos amigos e colegas Marco Altafini, Rafael Gomez, Silvio Borelli, Gustavo "Coruja" Barros e Susana Bragatto.

"A Poli como Ela é..." continua sendo, ao que parece, o meu texto mais lido. Foi o que mais exaltou os ânimos, e o que mais trouxe participações de públicos tão diferenciados. Guardo-o como um retrato fiel daquele engenheirando que, em meio à confusão, tentava balançar os alicerces da Poli e as crenças de politécnicos pretensiosos e empavonados — a fim de salvar jovens vestibulandos do fardo da engenharia, bem como salvar colegas mais sensíveis do oprimente ambiente, em que, no Brasil, se ministra o "ensino politécnico".

Consegui? (Vocês me respondam.)

J. D. Borges

25 de julho de 1999.


(Leia também Dicas de um Ex-Veterano e Crises na Sociedade Universitária.)