Dicas de um Ex-Veterano

Parece que faz parte da iniciação à Poli mal-informar os calouros, como se todos os cinco anos de curso já não bastassem como "trote".

No meu tempo de "bixo", a maioria das informações chegavam desencontradas e eu nunca soube se podia confiar nos veteranos. Não só pelas mentiras que eles contavam, mas porque tinham opiniões um tanto quanto divergentes sobre os mesmos assuntos. Uns achavam "Física I" fácil, outros a faziam pela terceira vez. Uns nunca faltavam às aulas, outros nunca estavam presentes em classe. Uns se diziam desiludidos, outros realizados.

De fato, em se tratando de dicas, não existe uma "regra única" para sobrevivência na Poli. Estudar não basta, visto que o estudo (ou a disposição para o mesmo) nunca é suficiente. Colar não basta, visto que a cola não resolve as questões (apenas fornece indicações sobre as mesmas). Assistir a todas as aulas não basta, visto que os exercícios dados em classe nunca são iguais aos da prova. Entender toda a teoria não basta, visto que, na prova, é requerida prática em exercícios. E fazer todos os exercícios não basta, visto que pode cair na prova uma questão conceitual (que exija dedução de fórmulas).

Esta é a Poli — uma faculdade complexa e indócil.

Assim, caro Bixo, perca alguns minutos e leia este texto. Sem a pretensão de querer ser definitivo e completo, ele vem para tentar elucidar algumas dúvidas básicas, indicando possíveis caminhos que provavelmente facilitarão a vida dos ingressantes "não-iniciados".

Aulas

Não vou dizer aqui que as aulas, com duração absurda de quase duas horas, devam ser assistidas de ponta a ponta sem que se perca nenhum detalhe, nenhuma vírgula, nenhum raciocínio. Eu sei que a maior parte das aulas são chatas e que a maior parte dos professores são verdadeiros soníferos.

Contudo, em noventa por cento dos casos, é preciso estar presente. Não porque se aprenda efetivamente alguma coisa durante a explanação e/ou os exercícios. Acontece que quem não acompanha o curso, fatalmente dança.

Se você estiver ausente, não vai saber quem é a menina que tem letra bonita de cujo caderno é fundamental tirar xerox. E se você não a conhecer, ela não vai te emprestar suas preciosas anotações de aula. (Na Poli, as aulas copiadas de um bom professor, incluindo teoria e — principalmente — exercícios RESOLVIDOS, valem muito mais do que qualquer livro que se possa arranjar. Excetuando-se, é claro, os livros de Cálculo do Hamilton Luiz Guidorizzi — que são hors concours.)

Se você estiver ausente, não ficará a par de qual parte da matéria cada prova engloba. Também não vai saber do surgimento provinhas e/ou trabalhos "de ocasião" que podem elevar sua média.

Ademais, quando for fazer revisão de prova, seu mestre vai te acusar de nunca ter comparecido a nenhuma das aulas dele — o que lhe permite supor que você sabe ainda menos do que atestam suas notas.

Por fim, é preciso estar presente para conhecer quais são os colegas estudiosos com quem se pode tirar as dúvidas mais cabeludas. (Os grupos de estudo e de projeto, se bem escolhidos, vão te garantir relativo sucesso em provas e trabalhos.)

Nunca se isole. A Poli não pode ser vencida na solidão; qualquer tentativa nesse sentido é burrice.

Professores

Na nossa Escola temos professores de todos os tipos: bons e ruins, excelentes e péssimos, bondosos e maldosos, santos e demônios, severos e liberais, inteligentes e burros, experientes e inexperientes, queridos e detestados, sábios e ignorantes, amigos e inimigos, geniais e malucos. Você vai se acostumar a vê-los em todas essas configurações.

O ideal é, obviamente, assistir a aulas dadas pelos melhores professores. Como reconhecê-los? Procure por salas cheias. Procure por veteranos que estão fazendo a matéria novamente. Procure por boa didática, por explicações claras, por domínio do conhecimento, por lousas organizadas, por profissionais gentis e pacienciosos.

Se a matéria te agrada, procure pelo professor que vai fundo, esmiuçando a teoria. Se a matéria não te agrada, corra atrás do professor que resolve o maior número de exercícios.

Não se acanhe em abandonar a sala de aula a qualquer momento. E, por favor, não se acanhe em experimentar outras salas, outras aulas, outros professores da mesma matéria. Tenha em mente que o seu objetivo principal, na Poli, é passar.

Material

O xerox é, insisto, item fundamental. Todavia, nem só de anotações de aula vive o politécnico. O verdadeiro mapa da mina são as coletâneas de provas, contendo as questões dos anos anteriores. Se você quiser ter alguma certeza sobre o que vai "cair", consulte esses oráculos e aprenda a resolver cada um dos exercícios de olhos vendados.

Mas, e os livros? Por incrível que pareça, na Poli, eles não são de grande valia. (Salvo, é claro, alguns poucos.) Dada a nossa vivência nas escolas "convencionais", que pautam seus cursos em livros e apostilas, temos tendência a adquirir grossos volumes logo na primeira semana de aula. Não incorra neste erro!

Por quê os livros não resolvem na Poli? Ora, é muito simples. Noventa e nove por cento dos cursos não segue nenhum livro específico: pega alguns capítulos de um, outros trechos de outro, algumas páginas de uma velha apostila, certas anotações de aula apócrifas. Se você comprar um livro, das duas uma: ou ele te servirá demais, ou te servirá de menos; no fim, você sempre perde dinheiro.

Aliás, a não ser que você queira guardar recordações concretas sobre as disciplinas da engenharia, não compre obras que, mais tarde, não te servirão para nada.

O problema mais grave, porém, reside no fato de que os livros nunca contêm exercícios resolvidos em quantidade suficiente, e de forma bem explicada. Na resolução de problemas, geralmente o autor vai até um certo nível — que não é o mesmo da provas da Poli; portanto, insuficiente. E, ao longo dos exercícios, ele comumente salta de uma mera aplicação de fórmula para uma dedução "mágica", sem quaisquer passagens intermediárias, que forneçam alguma indicação sobre o que foi feito entre uma coisa e outra.

Estudo

Mesmo que você seja um gênio, nunca deixe para estudar na véspera da prova. O conteúdo é mais extenso e mais intricado do que você imagina; impossível absorver tudo num dia só.

Mas também não vá repassar, diariamente, toda a matéria dada. Se você tiver uma paciência de Jó, estude toda a semana um pouco. Se você tiver um certo saco, estude todo o mês. Se você for como eu, estude de três a sete dias antes da prova.

E tire dúvidas! Seja cara-de-pau, persiga os professores, arranque explicações dos colegas mais CDFs. (Um esclarecimento dado cinco minutos antes da prova pode equivaler a cinco pontos a mais na sua nota.)

Vale frisar: estude em grupo! Cerque-se não só de amigos; cerque-se de gente que sabe! Estabeleça um intercâmbio de conhecimentos. Nesses encontros, não adote uma postura passiva, de mero espectador; tente resolver os exercícios sozinho, tente provar os teoremas sem a ajuda dos demais.

Provas

Na nossa Escola não existe, por exemplo, o "meio-certo" e nem a pontuação por "raciocínio". Se a resposta final da questão não bate com o gabarito, está errado — três, quatro ou cinco pontos para a lata do lixo. Não importa se o "passo-a-passo" corresponde ao que foi dado em sala.

Posto isso, faça cada mísera conta com a maior parcimônia, explicite cada ponto ao máximo, apresente uma prova limpa e — sobretudo — preste muita atenção nos detalhes do enunciado.

Se a pessoa que estiver "tomando conta" da sua sala, no momento do exame, for generosa e expansiva, seja inconveniente e consulte-a sempre que não souber resolver algum item. (Alguns professores consideram que, mesmo durante a prova, o aluno pode ser ensinado.)

Esgotado o tempo regulamentar, só te resta esperar.

Saiu a nota, foi baixa? Faça revisão. Chore lágrimas de crocodilo; implore por 0,1 a mais. Descubra o que errou e como errou (a fim de que isso não se repita futuramente). E mostre interesse; assim o professor corrigirá sua próxima prova com mais carinho.

Se o seu caso for realmente grave, visite o mestre de vez em quando para tirar dúvidas. Se o seu caso for gravíssimo, marque uma hora semanal com ele e tome "aulas particulares". (Para que se tenha uma idéia, já consegui recuperar duas notas zero tiradas em P1.)

Em suma: não desista!

Finalizando o quesito provas: nunca jamais deixe de fazer uma avaliação para fazer, posteriormente, a prova substitutiva. A Sub apresenta inúmeras desvantagens com relação a qualquer das demais provas: na Sub, cai a matéria toda; entre as últimas provas e a Sub, o intervalo é de apenas uma semana (não sobra tempo para estudar); os melhores alunos não fazem Sub (você não tem de quem colar); todos entram em férias depois da P3 (menos quem tiver Sub);

Mudança de Curso

Se você pretende trabalhar em bancos ou consultorias, a Poli não é certamente o curso mais indicado. Costuma-se afirmar que, nesses setores (e em outros também), os engenheiros são preferidos por possuírem uma formação mais sólida e mais abrangente.

Depois de ter passado por muitos processos de seleção, acabei concluindo que isso é uma meia-verdade. Entre um engenheiro (ignorante em finanças e/ou negócios) e um administrador (cujo curso e os estágios são mais voltados para essas áreas), o empregador vai preferir o administrador.

Além do que, passados alguns anos, ninguém mais vai querer saber se você veio da Poli, da Unicamp, da FGV, do Mackenzie, da PUC ou da FEA. Não pense que os seus cinco duros anos de Poli serão sobrevalorizados.

Assim, se você não tem afinidade com a área técnica, mude de curso enquanto é tempo. Caso contrário, vai ter de correr atrás do prejuízo numa pós-graduação (como muitos outros engenheiros).

O primeiro e o segundo anos, de qualquer engenharia na Poli, dão uma boa medida de como será o resto do curso. A menos que você seja um aluno de Engenharia de Produção, não espere por um aprofundamento em matérias como Marketing, Economia, Administração, Qualidade, etc.

Infelizmente, a nossa Escola não se "modernizou" nesse sentido. Existe, ainda, uma preocupação muito grande em enfatizar as disciplinas da área técnica, a especialização — em detrimento da multi-disciplinaridade, da generalização.

Portanto, se o Biênio não te apraz, saiba que o curso não vai "melhorar" com o passar dos semestres. Não cultive essa ilusão, preste logo outro vestibular.

J. D. Borges

P.S. Conheça toda a história do texto e suas repercussões ao longo dos anos baixando o e-book A Poli como Ela é... — O Livro.