Capa da edição em papel (1998)

"Catorze Semanas de Colunismo Exacerbado" aponta para um certo foco, afastando-se da metralhadora giratória de estilos, de intenções e de formatos, presentes nas Crônicas da Primeira Fornada. Como se encontrasse o caminho para uma uniformização (de tamanho, de tônica, de propósito), cheguei a uma segunda coletânea com mais cara de conjunto.

Continuaram, no entanto, a contundência e um certo "exagero" — de que tinha consciência e que me sugeriu o "exacerbado" do título.

Seguindo o modelo de "Crônicas", que principiava por um texto de grande saída e de grande apelo popular (o do Ratinho), "Catorze Semanas" teria como introdução um trabalho polêmico e bastante comentado: Quem tem medo do Jô Soares? Ainda hoje, um dos meus escritos mais afamados e mais lidos (dentro e fora da Internet).


Quem tem medo do Jô Soares? (17-12-98)

Soube, em meados de 1998, através de reportagem da Folha, que Jô Soares preparava novo livro. Desde o "Xangô de Baker Street" (sua estréia literária), desconfiei da aclamação e da unanimidade que pairavam sobre o comediante — coincidentemente um dos maiores promotores (ou detratores) da produção cultural neste país.

Das duas uma: ou Jô Soares era mesmo esse gênio incontestável que seus amigos e entusiastas proclamavam; ou havia realmente uma farsa em torno de seu nome, a fim de satisfazer-lhe a vaidade de escritor, transformando-o em best-seller nacional. Como na minha coluna comentava atualidades, e como não queria avaliar tardiamente o "Xangô", decidi por esperar pelo novo romance.

"O Homem que Matou Getúlio Vargas" veio, lógico, cheio de alarde, com direito, inclusive, a novo Roda-Viva na TV Cultura, reunindo alguns dos jovens representantes da intelligentsia televisiva: Ernesto Varella, Giulia Gam, Marcelo Rubens Paiva. E entre os monstros sagrados, Fernando Morais. Dados os afetados e ensaiados elogios, aquilo me pareceu armação da grossa. Sem querer pré-julgar, adquiri o suspeitavelmente grosso volume, sobre o assassino de "Getúlio Vargas" e pus-me a lê-lo.

"O Homem que Matou Getúlio Vargas" (em capa de Hélio de Almeida)
Logo do Jô Onze e Meia

De fato, tratava-se de um embuste literário de um tipo muito em voga no Brasil: o tipo que visa intelectualmente consagrar e imortalizar, no papel, figuras célebres de outras áreas (que não o Jornalismo ou a Literatura). Figuras dotadas de certa familiaridade com a escrita, todavia, sem tradição livreira. Figuras de destaque em outros segmentos, que almejam um lugar no Panteão dos Imortais do Brasil — enquanto revertem em tiragens recorde para as editoras.

Vocês sabem quem são essas figuras. Vocês sabem qual o resultado.


Mickagem Generalizada, a culpa é de quem? (8-12-98)

"Mickagem Generalizada, a culpa é de quem?" soa como homenagem a Mick Jagger, mas não é. Ainda que tivesse admirado sua longevidade em Quem não acredita em Michael Jagger? (anos atrás), em 1998 não suportei calado toda a baixaria em torno de seu rumoroso caso com a modelo brasileira Luciana Gimenez (tão inconseqüente e tão execrável quanto seu mentor).

Acima das histórias de difícil confirmação que correm pra lá e pra cá, listei três pontos absolutamente reprováveis no episódio: primeiro, a irresponsabilidade de Jagger em fazer sexo sem camisinha (nestes tempos de agora), fugindo, em seguida, de uma gravidez como se ainda adolescente e onanista; segundo, a exposição da Gimenez, de sua barriga e (mais recentemente) de seu bebê — visando ascensão social e financeira; terceiro, a valorização do acontecido pela mídia e a quase canonização de uma maluca que se envolve com o maior mulherengo casado do planeta, apenas por ela ser uma brasileira "experta".

Por condenar o ocorrido em todos os seus personagens e desdobramentos, fui duramente criticado. José de Abreu, o ator, chamou-me, por exemplo, de "Jece Valadão" e de "Padreco CD"; mandando-me tomar naquele lugar. Fábio Kaufmann, meu talentoso amigo músico, disse que eu jamais poderia reprovar uma das encarnações do Rock’n’Roll — que não é nada mais que juventude, imaturidade e liberdade. Meu brother , em compensação, ligou-me em meio a gargalhadas.

Acho que o juízo (para o caso) é pessoal, cada um que encontre o seu.

Luciana Gimenez com Lucas Jagger (em foto de Richard McLaren)

Com vocês, os impagáveis Impostos (3-12-98)

O temível Leão (em representação do JT)

"Com vocês, os impagáveis Impostos" era mais um texto sobre política e suas implicações, que começou como falta de assunto, mas que acabou como uma verdadeira peregrinação sobre o tema. (Algo que se repetiria em outras oportunidades.) Vasculhei jornais e revistas como se arqueólogo de Tut-Ankh-Amon. Sublinhei, resumi, reescrevi o artigo com fúria santa, como que tomado pelo espírito de Robin Hood.

Cheguei, assim, a um mini-tratado sobre os tributos existentes e sobre as reformas fiscais propostas, sugeridas ou cogitadas. Fica como guia para a nossa, às vezes, ininteligível malha tributária, bem como para a imaginação sem limites de nossos parlamentares que perseguem os bolsos do contribuinte noite e dia.


A Nova Igreja e seus Padres Aromáticos (26-11-98)

"A Nova Igreja e seus Padres Aromáticos" trata do fenômeno do Padre Marcelo e desses novos pop stars da religião católica. Mais uma vez, atirei-me às publicações mais rasteiras — a fim de encontrar o que tanto conquistava homens, mulheres, velhos e criancinhas. Adquiri (sem vergonha nenhuma, pois sempre como "pesquisador") o seu CD e ajudei-o a vender todos aqueles milhões de cópias. Para completar o ciclo, lancei-me à audição de seu programa no rádio, junto a Minha Mãe, uma ouvinte diária (com copo d’água e tudo).

O texto que saiu daí, misturava estratégia de Marketing, de conquista de Mercados, com carisma e um certo talento para agremiar uma mocidade tão descrente e tão precisada de fé. Não era um ataque aos padres aromáticos, nem mesmo à Santa Madre Igreja. Era uma constatação, uma análise e uma sugestão de raciocínio.

"A Nova Igreja e seus Padres Aromáticos" foi parar nas mãos de Alberto Dines, que me levou para o Observatório da Imprensa. Devo, portanto, a ele e à Mari Carvalho, aparições futuras, bem como certa respeitabilidade.

"Músicas para Louvar o Senhor", CD do Padre Marcelo Rossi (em foto de Wagner Malagrine)

Todos os Lados do U2 (19-11-98)

Capa do "The Best Of" (foto de Ian Finlay)

"Todos os Lados do U2" soa como franca exultação. É, mais além, o reconhecimento de uma trilha sonora que acompanhou praticamente todos da minha geração. É uma forma de retribuir a Bono Vox e seus asseclas, toda a sorte de sentimentos que, em nós, despertou.

Nunca segui a banda como aquele fã que não perde um movimento, um registro sonoro ou visual. Ainda assim, quer eu quisesse, quer não, ela me acompanhou desde 1988 ou antes. Não esqueço do impacto de Rattle and Hum (o filme), nem do marco sonoro que foi, para mim, Achtung Baby (o disco).

Talvez não devesse envolver minha coluna (e meus leitores) em questões de gosto tão pessoal assim. Entretanto, a emoção (proveniente da experiência da coletânea "Best of 1980-1990") falou mais alto e eu sinceramente achei que deveria prestar essa homenagem. A revista ShowBizz gostou.


Carne Trêmula é o Anti-Almodóvar (11-11-98)

Pedro Almodóvar sempre me surpreendeu com suas fitas tão originais e tão autênticas; seja no aspecto plástico, seja na temática, seja no ponto-de-vista. Colocava-se sempre numa posição bastante feminina, posto que enfatizava comumente a emoção em detrimento da razão, o ato impulsivo em detrimento das conseqüências práticas deste.

Assim, decepcionou-me "Carne Trêmula" não por sua realização, por seu roteiro ou por sua inventividade. Decepcionou-me por abandonar todo um universo carregado e imprevisível — trocando-o por uma certa frieza, uma grande perfeição e uma exasperante objetividade. Como se tivessem pasteurizado Almodóvar para as platéias dos policiais hollywoodianos, dos blockbusters da vida.

Restava, claro, um ou outro aspecto de sua personalidade. Por isso, não quis exagerar na crítica.

Carne Trêmula by Pedro Almodóvar

Carlinhos Brown é o Soul que Xangô Mandou (5-11-98)


"Omelete Man", de Carlinhos Brown (em capa de Gringo Cardia e Geléia da Rocinha)

Carlinhos Brown era, para mim, aquele negrão pintado da Timbalada, sempre citado nas entrevistas como compositor e como percussionista genial. Mais uma vez a unanimidade me incomodou e fui pesquisar.

Soube do lançamento de "Omelete Man" e comprei-o tão logo vi na loja. Muito rigoroso, fiz uma primeira audição contida e bem comportada. Não entendi o CD completamente. Na segunda, terceira, quarta, décima, vigésima audição, aquilo foi me conquistando com força e, de repente, eu estava viciado naquela salada, naquele liqüidificador de ritmos, de instrumentos, de estilos — e principalmente naquela coesão, raríssima. Mais um pouco e aquilo (que eu não sabia definir) virou soundtrack da época.

Por isso o texto tão verboso, tão palavroso, tão loquaz, intitulado "Carlinhos Brown é o Soul que Xangô Mandou". Era uma tentativa de ombrear-me com Carlinhos (no âmbito da escrita), sem privar meus leitores de qualquer lance, de qualquer pormenor, da mínima faísca que saltasse da obra.

A assessora de Brown, Ivana Souto, aprovou e repassou para Marisa Monte.

 

Quanto Vale um Soldado Ryan (26-10-98)

Steven Spielberg. Como condenar o mais provável gênio da ficção cinematográfica dos Anos Oitenta?

Não fiz de Soldado Ryan um alvo, apenas apontei nele posições maniqueístas pra lá de ultrapassadas e pra lá de batidas: dizer que os alemães foram inescrupulosos e maus, enquanto que os americanos foram justos e bons — era demais para os meus olhos e ouvidos.

Fora que o retrato excessivamente apocalíptico do massacre de Omaha Beach causou engulhos que poderiam me afastar dos filmes de guerra para todo o sempre. Até que ponto precisamos da verdade nua e crua, do barbarismo sem cortes, da carnificina em todos os seus detalhes?

Cena de "O Resgate do Soldado Ryan"

Nulo no Segundo Turno (20-10-98)

Capa da Vejinha

Nulo no Segundo Turno. Confesso que a capa de Vejinha pondo os dois politécnicos lado a lado, pela disputa do Governo de São Paulo, até que me empolgou — e até que, em mim, despertou a esperança de um debate de idéias, de cérebros, de carreiras consagradas.

Quando chegou a hora, porém, foi tudo de uma criancice inacreditável: aquela troca de acusações e de farpas absolutamente pessoais e absolutamente dispensáveis para quem pretende ocupar uma cadeira de tão grande responsabilidade. Achei que a todo o jogo de cena era apenas uma desculpa para fugir do que realmente interessava naquele momento: a discussão de propostas e de planos de governo; afinal, ninguém queria saber quem disse o quê, quem fez o quê, quem tivera essa ou aquela conduta no passado...

Decepcionaram-me os candidatos. Não tive outra alternativa senão desmoralizá-los com as suas próprias declarações e com as suas próprias absurdidades.


Diogo Mainardi em Contra o Brasil e os Brasileiros (15-10-98)

"Diogo Mainardi em Contra o Brasil e os Brasileiros" foi como um reconhecimento ao talento e à erudição de Diogo Mainardi, um dos autores mais fecundos dessas últimas safras. Apesar de seu propósito puramente aniquilador (algo que pode ser tomado como galhofa), o livro "Contra o Brasil" é de uma construção absolutamente séria e eficaz. Diogo, ao contrário de muitos dos nossos realizadores diletantes, estudou os eventos a fundo e com bastante cuidado, amarando citações mais do que oportunas da nossa história de fracassos e falsas glórias.

Pena que o universo de inveja e de ódio, reinante em nossa imprensa e em nossos ambientes acadêmicos, não permitam à obra o reconhecimento que ela, indubitavelmente, merece. Por essas e por outras, acabei escrevendo um texto que o próprio Mainardi classificou como "bem melhor do que as resenhas publicadas nos jornais".

Foi um dos feedbacks que mais me emocionou e que mais me fortaleceu nesta caminhada.

Capa de "Contra o Brasil" (por João Baptista da Costa Aguiar)

Por uma Convivência Eleitoral mais Plácida (5-10-98)

Mário Covas e Marta Suplicy (arquivo UOL)

"Por uma Convivência Eleitoral mais Plácida" é quase um tratado utópico de como deveriam ser as eleições. Uma reação ao exagero milionário que provoca desperdício, sujeira, confusão e perda de tempo.

Basicamente um desabafo lamentando todo o caos desde a campanha até o singelo ato de votar. Ato que se transformou num tormento, tamanha a inexperiência e a incompetência dos brasileiros ao tentar "informatizar" o processo.

Paulo Maluf e Francisco Rossi (arquivo UOL)

Para além dessa deficiência, propus inovações tecnológicas ainda mais mirabolantes — que diminuíram o misticismo em torno dos candidatos e de suas promessas milagrosas, reduzindo o acontecimento a uma decisão mais judiciosa e mais razoável (por parte dos eleitores).

O pessoal da revista Trip disse que minha "reflexão deveria se estender a todos", pedindo que eu continuasse lhes "enviando opiniões e idéias interessantes", seu "melhor combustível".


Ascenção e Queda de um Pequeno Polegar (30-9-98)

"Ascensão e Queda de um Pequeno Polegar" tem gosto de flash-back. Principia por uma descrição dos tempos áureos da boate Up & Down em que eu, meus amigos, e o futuro Polegar vivíamos momentos marcantes da nossa incipiente adolescência e de uma juventude que se anunciava.

Muito me impressionou a transformação do Rafael em figura intocável, em irresistível galã, em namorado da Juma Marruá — e depois, mais ainda, o seu esfacelamento, a sua degradação, a sua rendição ao mundo das drogas e da mendicância.

É sempre chocante acompanhar uma vida tão jovem que tão cedo se acaba, que tão cedo se compromete, que tão cedo abrevia um milhão de possibilidades.

Rafael nos braços de Evelyn (em foto de Rogério Soares)

Todo mundo tem a sua Lolita (23-9-98)

A Lolita de Adrian Lyne"Todo mundo tem a sua Lolita" foge ao tom de reportagem da maioria dos trabalhos de "Catorze Semanas de Colunismo Exacerbado". Segue a trilha da crônica e, pela sua leveza, tende a durar e a conquistar o leitor desavisado que, de repente, topa com algo assinado por J. D. Borges.

Joyce Maynard, a lolita de J. D. SalingerTem o tom de conversa descompromissada e analisa, sem perdão, algumas das preferências do sexo masculino que os homens relutam em admitir ou que, pelo menos, só confessam para desconhecidos que nunca tornarão a encontrar.

Os exemplos na sociedade (de "lolitismo"), todavia, pululam e, com base em alguns deles, desenvolvi minha tese (sentenciada logo no título). Saiu tão convincente que a Minha Namorada, e revisora, passados alguns dias perguntou: — "E você, Namorado, tem também a sua Lolita?"

José Truda Palazzo Jr. identificou-se com minhas observações e declarou: "sofro cada vez mais para evitar aquilo que me acostumei a denominar de ‘Síndrome de Clinton’, com a diferença que as minhas estagiárias são muito melhores que as dele."


Entenda Porque a Crise Tá Russa (15-9-98)

Boris Yeltsin, o atual czar russo

"Entenda Porque a Crise Tá Russa" foi o primeiro estudo jornalístico a que me lancei para compor um artigo digno de alguma confiança. Tomei de assalto as bancas de jornais e as bibliotecas sobre o assunto e, depois de volumosas e frenéticas ruminações, despejei no papel as informações em forma de aula didática, trazendo o interlocutor para dentro da crise que abalava o globo — e da qual ninguém mais se lembra, é verdade.

Em todo o caso foi um exercício intelectual como poucos. Quase como uma provação que me asseguraria lugar no colunismo semanal, ou não. Ganhei a admiração de muita gente com esse trabalho.

Assim, nunca mais aceitei as desculpas de articulistas que fugiram de temas tão urgentes apenas por não se considerarem suficientemente versados em geopolítica, em macroeconomia ou em telemática. Não passa, portanto, de preguiça e acomodação, essa "fuga do tema".

Enfim, têm aqui, leitores, uma breve panorâmica da minha produção do último quadrimestre de 1998: "Catorze Semanas de Colunismo Exacerbado". Leiam os textos, vejam os filmes, comprem os livros e, claro, não deixem de me mandar seus comentários.

J. D. Borges

25 de agosto de 1999.

(Esta história continua em Primeiros Sabores de Noventa e Nove.)