A Namorada do Luís

Conheci o Luís Fernando no verão, na praia. Víamo-nos quase sempre durante as férias mas, não sei porque, a amizade só floresceu à partir daquele ano. Aconteceu um daqueles encontros felizes. Ele me pareceu incrivelmente engraçado, espirituoso e surpreendeu-me com o "jeito" que tinha com as mulheres; pois ele nunca foi o que se costuma classificar como "homem bonito". Falou-me de sua namorada, mostrou-me algumas de suas conquistas da praia e impressionou-me muito, já que eu, na época, não era nenhum Casanova; muito pelo contrário.

Não senti inveja. E nem foi por interesse que fiquei amigo dele. Acredito que qualquer amizade está baseada em alguma espécie de troca; acabada a troca, finda a amizade. Qual foi a minha contribuição nessa troca? Não sei, só o Luís poderia responder.

Ele passou a frequentar a minha casa em São Paulo, conheceu meus melhores amigos, emprestou-me discos, trocou comigo confissões, etc. Um dia, folheando sua agenda, memorizei o telefone da tal namorada dele, a Graziela. E num outro dia, liguei. Não sei, até hoje, o que me levou a isso. Talvez o fato de eu ter saído de um romance frustrado com a Alessandra, uma garota que também conheci através do telefone. Depois dela, senti uma necessidade nova e urgente de conviver com uma voz feminina, de sonhar com alguém. E o telefone ali, me chamando... Talvez a culpa tenha sido do próprio Luís que não parava de falar nela (na namorada), que não parava de falar nos detalhes, que não parava de contar casos, que não se cansava de elogiá-la. Deus! Provocou aquela curiosidade, aquele ímpeto, típicos do "amigo do alheio" que mora dentro de cada um de nós e que às vezes se manifesta.

Eu sabia que era errado. Não obstante, continuei ligando. E aí, então, comecei a ter motivos para fazê-lo. A própria Graziela estimulou-me desde o começo. Foi com a minha cara, ou melhor, com a minha voz. Parecia que, de algum modo, eu lhe era agradável. Sentia o calor de seu sorriso do outro lado da linha, o que me deixava nas nuvens. Conversávamos sobre a família, o colégio, a rotina, o bairro e, inevitavelmente, um dia, falamos do Luís.

Descobri, estupefato, que o tal namoro era apenas invenção do meu mais recente amigo. Mentiras do Luís. O que houve de concreto foi que, numa festa, ele abordou-a totalmente bêbado e tentou conquistá-la dizendo uma porção de coisas desconcertantes (inclusive na frente dos pais dela). Ao final, vencido, chegou até a apelar para a força. Tomou umas, perdeu a inibição, o controle, a sanidade e deu um verdadeiro, inesquecível e imperdoável show. A Graziela não queria mais ouvir falar nele.

E como não poderia deixar de ser: Eu fui me apaixonando por ela.

Eu tinha um amigo que morava perto da casa dela, contei-lhe a história toda e fomos juntos conhecê-la. Nunca vou me esquecer daquela tarde. Eu estava tão inseguro, era tudo tão incerto: Ela seria mesmo bonita? Gostaria da minha aparência? E se ela preferisse o meu amigo? E se eu preferisse a irmã dela? Eu nunca tinha ido tão longe. Nunca uma paixão tinha chegado a esse ponto. Era tudo novidade, era tudo aventura, era tudo medo.

Como eu já estava bastante envolvido só por telefone, não exigia que ela fosse a maior das maravilhas. E ela não era mesmo nenhuma princesa (pelo que me lembro), mesmo assim, achei-a linda. Comecei a ir vê-la quase que diariamente, à tarde. Eu e ela ficávamos na calçada conversando até o anoitecer. Às vezes, via a mãe dela, ou a irmã, ou ambas assistindo-nos, entretidamente, da varanda — o que me incomodava e me envaidecia ao mesmo tempo. Criava-se uma expectativa que alimentava o romance.

Continuamos, ainda, nos telefonando e, numa das ligações, tomei coragem e me declarei. No mesmo dia, quando fui visitá-la, ela deu-me uma foto dedicada que terminava com "um beijo da Grazi". Ficou esperando que eu retribuísse. Eu estava nervosíssimo. Foi ela quem tomou a iniciativa: — "Minha mãe fica me perguntando quando é que você vai me dar um beijo..." — disse sem graça, olhando para o chão e intercalando as palavras com sorrisos. Sorrisos... Eu, sem saber o que dizer, fazer ou pensar, acabei perguntando: — "Graziela, você gosta mesmo de mim?" Ela, irritada com a minha inexperiência, com a minha falta de tato, respondeu impaciente: — "O que é que você acha? Claro! Claro, meu!" Antes que ela continuasse em protestos, beijei-a.

Nesse dia começamos a namorar.

O tão esperado namoro durou pouco. E desta vez, eu não tenho nem como formular teorias sobre o porquê do fim. Lembro muito pouco disso. Lembro-me apenas de que foi ela quem quis terminar. Deu-me uma justificativa muito vaga, tanto que não tenho certeza se esta realmente existiu. O que me intriga é eu não ter insistido, eu não ter lamentado. Era como se eu já soubesse, como se eu já aceitasse. Era como se o fim fosse inevitável.

A amizade com o Luís continuou ainda por anos. O colegial nos separou, mas voltamos a nos encontrar na faculdade. Ele nunca ficou magoado. Ele ficou foi um pouco envergonhado pelas inegáveis mentiras. Não sei como eu reagiria no lugar dele, porque o Luís gostava da Graziela de verdade. Mas o que eu queria dizer é que a Graziela foi a minha primeira namorada e, às vezes, fico pensando que nunca poderia ter acontecido se não fosse um pouco de pura deslealdade da minha parte. Meus amigos estão entre as pessoas que mais prezo. Entretanto, a nossa necessidade de amar e de ser amado parece estar sempre acima de tudo e de todos. O amor nos torna egoístas. Machado de Assis escreveu que "o amor é o egoísmo duplicado".

O Destino parece ser mais forte do que as coisas que mais prezamos neste mundo.

J. D. Borges