Paulo Coelho e a Loukura Kontrolada de Veronika

Quem é Paulo Coelho?

Paulo Coelho é o nosso escriba mais festejado, mais celebrado, mais popular ao redor do globo. Homem de mais de 20 milhões de livros, traduzido em 39 idiomas, condecorado com a Ordem do Rio Branco, detentor da medalha de Cavaleiro das Artes e das Letras da França, conselheiro da Unesco.

Ex-Dom Paulete, ex-roqueiro, ex-hippie, ex-parceiro de Raul Seixas e de Rita Lee, ex-produtor musical. Atual mago, guru, literato, consultor — enfim, sumidade espiritual pop deste fin-de-siècle.

Incompreendido e desprezado por intelectuais de todos os meios, de todas as castas e de todos os países em que foi best seller, Coelho suscita polêmicas, reflexões, teses, enquêtes e tratados — que procuram explicá-lo como fenômeno social e de massas; nunca como escritor, criador e artista de pena tarimbada.

Eis que Coelho volta à baila. Agora com uma história sobre loucura, juventude, preceitos sociais e morte.

Veronika, a protagonista de seu mais novo romance, é uma jovem desmotivada, alienada, perdida — dentro de uma república esquecida pelo planeta (a Eslovênia); e dentro de uma vida esquecida pela humanidade. Tomada por crescente apatia, comete suicídio. Socorrida a tempo, sobrevive e é internada num sanatório.

O dia-a-dia, nesse microcosmo libertário, e o contato com doidivanas, os mais diversos, conduzem Veronika a uma peroração sobre a vida, a morte, o amor e os estados a eles correlatos. Através da experiência com emoções fortes e com atitudes ousadas, descobre sua individualidade, seus desejos, seus prazeres — e alguma razão para não mais se matar.

O livro termina com a conclusão de que a "amargura" (leia-se desalento, ausência de vontade) nada mais é do que uma intoxicação química ou psicológica — que, mediante tratamento apropriado, pode ser, do corpo, extirpada.

Como os profetas de Nélson Rodrigues, Paulo Coelho enxerga, mais uma vez, o óbvio ululável. E como os socialistas de Roberto Campos, revela-se melhor de intenções do que de realizações.

Afinal, surge com mais um palpite pra lá de acertado: trata de massificação, de supressão da individualidade, de imposição de normas e códigos arbitrários. Munido de uma boa história, embaralha-se, porém, ao contá-la, ao narrá-la, ao interpretá-la — ao tentar fazer dela obra-de-arte.

Parece saber de grandes verdades sobre o homem e sobre a sociedade. Falta-lhe, contudo, poder de fogo, vocabulário; falta-lhe disciplina, método, concisão e sobriedade.

Traz na algibeira pensamentos, máximas e conselhos os mais brilhantes e os mais extraordinários. Não consegue, no entanto, justificá-los, embasá-los com devida propriedade.

Entrega-nos o produto final de longas e intrincadas meditações, sendo que precisamos menos das conclusões do que do raciocínio passo-a-passo, do encadeamento lógico — do "caminho" e da "caminhada".

Afinal, como tratar de desilusão teen, de dissolução familiar, de rebeldia juvenil, de vocação abafada, de síndrome do pânico, de cientificismo irresponsável, de fuga da realidade, de amor filial, de amor carnal, de sentimentalismo, de sensibilidade, de consumismo e de relações de trabalho, em pouco mais de duzentas páginas? Impossível não soar ingênuo e tolo; simplista e pleno em leviandade.

Tolstoi, que precisou de centenas de folhas para contar o drama de uma mulher adúltera adulterada, abdicaria da empreitada. Proust, que em mais de um milhar de páginas ponderou acerca dos complexos mecanismos da memória, jamais se envolveria com tarefa tão complicada. Euclides da Cunha, que, em Os Sertões, abordou uma das nossas guerras mais estudadas, não moveria, nesse sentido, uma palha.

Talvez falte ao nosso mais internacional homem de letras a humildade e a ponderação de quem sabe. Talvez se ele anunciasse menos e produzisse mais. Talvez se simplificasse sua temática.

Talvez se abdicasse das suas respostas milagrosas, da sua magia, dos seus atalhos e optasse por ser humano de verdade — limitado, cheio de defeitos e incapacidades.

Afinal, seja aqui, seja na Eslovênia ou na Bulgária, ninguém precisa mais de salvadores da pátria.

J. D. Borges