Os Arquivos-X e a Predição Linear Hollywoodiana

É familiar àqueles que trabalham com reconhecimento de sinais de voz humana, a técnica de Predição Linear: partindo-se de algumas freqüências de onda ditas fundamentais, gera-se uma combinação programada de sons — que reproduz ou identifica uma vogal, uma consoante; uma palavra ou frase simples. (Se pensarmos numa analogia cromática, basta lembrar que da mistura das sete cores básicas do arco-íris pode-se chegar a todas aquelas tonalidades derivativas; e vice-versa.)

Assistindo a "Arquivo-X", em cartaz nos cinemas do Brasil, ocorreu-me uma variante da mencionada técnica de modelamento matemático-físico — a Predição Linear Hollywoodiana —, dada a previsibilidade e a clicheria, ambas acintosas no filme.

A tão anunciada produção, originária de popularíssimo seriado televisivo, não passa de uma colagem de histórias e situações as mais manjadas da tradição ficcional-científica.

Para começar, alguém que se disponha a rodar um longa sobre alienígenas tem de, ao menos, propor uma configuração mais original para os little green men típicos (membros superiores e inferiores afilados, cabeça e olhos ovalados, cor amarelada, ausência total de pelos, revestimento plástico-cartilaginoso, voz guinchada, natureza maléfica, movimentos espasmódicos e velocíssimos). The X-Files não pode ser levado a sério nesse quesito, dado que insiste nos modelitos démodés presentes nos "Aliens" e nos "Predadores" da vida.

Depois, que tal apostar em novas raças de heróis e mocinhas? Os Arquivos-X têm como protagonistas um clone do Pretty Man, Richard Gere, e uma versão nanica e ranheta da Tom Cruisiana, Nicole Kidman. Desnecessário dizer que o "casal 20" do filme nada mais é do que uma imagem pálida, tonta e esmaecida de seus artífices.

Com tanta falta de personalidade, é possível convencer o Mundo de que podem salvá-lo de uma invasão extraterrena e de um potentíssimo vírus?

Aliás, por quê é que toda a invasão alienígena que se preze tem de estar relacionada a alguma doença mortal cuja cura não se descobriu ainda? Lembro-me de um engodo televisivo em que se sugeria que o câncer advinha de um contato malsucedido com seres de planetas vizinhos. No X-Files, cita-se, de passagem, o HIV e o Ebola que — comparados ao vírus Hanta (verdadeiro herói do filme) — revelam-se primitivíssimos.

Hoje em dia, ser cool é ser "Hanta positivo".

Aos infectados, concede-se o privilégio da gestação de uma nova raça alienígena — que ameaça, obviamente, o nosso planetinha. Como em "Alien — o oitavo passageiro", a criatura se aloja no corpo da vítima, alimenta-se de seus órgãos vitais e, depois de meses, abandona o casulo, mata seu benfeitor, ganhando o mundo e a vida.

Como em "TommyKnockers", de Stephen King, a astronave dos nossos "inimigos" permanece enterrada durante milênios — para, em seguida, partir; como se ameaçada pela nossa interferência curiosa e nociva. Ergue-se da terra, ou do gelo, como preferirem, em direção a não-se-sabe-onde, pilotada não-se-sabe-por-quem.

Como em "JFK — a pergunta que não quer calar", a sugestão e a amarração da trama de fatos e interpretações se faz graças à intervenção de um providencial velhinho que, veterano de outras guerras (químicas, interestelares, políticas), conhece a História do fim ao princípio. Em JFK, quem cochicha nos ouvidos de Kevin Costner é Donald Sutherland. Em X-Files, quem indica os caminhos para Fox MadDog é um desajeitado e desconhecido fã do sorridente Jack Palance de Acredite... se Quiser.

Como em "Cocoon", os ETs são mantidos em conserva, dentro de cápsulas aparentemente impenetráveis, inatingíveis. Como em "V — a batalha final", preserva-se também, por meio de criogenia, alguns human beings — que servirão de alimento para populações intergalácticas famintas.

Como em M. I. B., é uma reveladora autópsia, de um corpo semi-vivo, que fornece as indicativas da participação, no enredo, de seres mais evoluídos. Impressionante como, nesses filmes, os laboratórios estão sempre destrancados e os cadáveres estão sempre disponíveis.

Como em tantas outras corridas contra o tempo, tem-se de desarmar uma bomba relógio de contagem regressiva. E, como em tantas outras maratonas investigativas, o FBI fica pra trás e, no fim, passa por descrente e "tolinho".

A Predição Linear Hollywoodiana faz, portanto, bastante sentido. Pois, afinal, o que é o "Arquivo-X" senão um amontoado de fragmentos, cenas, pessoas e ETs de outros filmes?

A julgar por esse longa, que se propõe a ser o irresistível episódio número zero da série, podemos esquecer esse negócio de seriado de televisão.

Pelo menos até a próxima invasão alienígena.

J. D. Borges