A inteligência puramente musical de Caetano Veloso

O perigo da opinião.

Muitos os que se abstêm de opinar, de se mostrar, de aparecer — a fim de poupar sua obra e seu público de falsas interpretações, de mal-entendidos e de julgamentos macarrônicos em torno de sua produção intelectual e artística. Não admitem uma pseudo-analogia, entre o que falam e o que realizam. Não suportam pré-concepções do que virão a fazer — a partir de declarações pretéritas ou futuras. Não têm, em suma, paciência para vir a público e explicar suas obras (evitando, de quebra, emitir palpites infelizes sobre os últimos acontecimentos).

Há também, como não poderia deixar de ser, um outro time. Time daqueles que entram em cena, a toda e qualquer hora, sendo ou não requisitados. Como representantes auto-proclamados de seu auditório, ávidos por publicidade, sentem-se no direito — e no dever — de posicionar-se frente a todo e qualquer abalo sísmico.

Num tempo de notícia pré-fabricada, como o nosso, muitas são as mudanças de maré — algo que garante, ao oportunista falastrão, muito assunto. Prefere, em geral, política (em que cabem arroubos de populismo, temperados com bravatas de grande efeito). Política seguida de questões sociais, morais, pessoais, religiosas, econômicas, ou o que vier. E como não consegue ser oráculo e nem pessoa humana (ou realizador) ao mesmo tempo, acaba tropeçando na própria língua, disparando inconsistências e revelando, aos mais experimentados, todos os seus truques e todas as suas falhas de argumentação. Inevitavelmente.

Caetano Veloso é mestre nisso. Outro dia, quebrou, na Folha de S. Paulo, um recorde seu — numa modalidade em que já é invicto: a entrevista. Dentre uma série de temas, tratou, claro, do recorrente Tropicalismo.

O Tropicalismo foi um movimento cheio de definições vagas, cuja tônica (preservada a duras penas) prega a reciclagem do mau gosto através da sofisticação e do estilo de quem se considera acima do popularesco típico. Como do auge do Tropicalismo só restou um álbum — que prima mais pelo elenco que reúne do que pela música "engajada" propriamente dita —, Caetano Veloso, na falta de seguidores ou discípulos, costuma rotular toda e qualquer manifestação mais tendente ao piegas, ao popular, ao hit parade como tropicalista. Assim, credita a si próprio, e à Bahia (lógico), iniciativas bem sucedidas na área — enquanto que reserva aos seus desafetos, e aos outros estados "não-baianos" da Federação, a responsabilidade pelos dejetos e pelas merdices musicais que temos visto.

Assim, segundo o moço, o Samba nasceu lá na Bahia, a Bossa-Nova foi inventada por João Gilberto (notadamente um baiano), e a Axé Music (resultado da linha evolutiva da folia soteropolitana) não tem o que invejar dos clássicos do carnaval carioca (citadamente "Alá-lá-ô" e as marchinhas de Emilinha Borba) — ao passo que a degradante TV de massas veio de São Paulo, o "apartheid social e cultural" veio do Rio, e os sertanejos, imagina-se, de Minas Gerais. Do mesmo modo, foi Antônio Carlos Magalhães (o imperador da Bahia e, às vezes, também do Brasil) quem "animalescamente" pôs um ponto final na ditadura militar; o mesmo que, ultimamente, em nome da sociedade civil, vai redistribuir a renda do país. Enquanto isso, Fernando Henrique Cardoso (uma alma paulista; às vezes, presidente do Brasil) só fez desqualificar Gilberto Freyre, junto com a USP — que tem a ingênua ambição de querer interpretar a Terra Brasilis. Como se não bastasse, Caetano Veloso completa: — "Parece até que eu estou posando de bacana diante de vocês. Mas acho que muita gente que não é de São Paulo teve mais facilidade de sentir isso do que as pessoas daqui."

Animado, aproveitou a ocasião para criticar e rebaixar o mesmíssimo caderno cultural que lhe concedia aquele tempo e aquele espaço para falar: "Esse estilo que a Ilustrada comprou e que se disseminou pela imprensa brasileira é uma vergonha. Como é que isso é mantido pela grande imprensa brasileira?"

Que sujeitinho mais inconseqüente, mais inoportuno, mais cara-de-pau! Quando é que o paulista vai deixar de ser paspalhão, e cortar as assas de ingratos e mal-agradecidos como Caetano Veloso? Certo (mais uma vez) estava Paulo Francis (um carioca) ao inesquecivelmente afirmar: "Os baianos invadiram o Rio para cantar ‘Ó, que saudade eu tenho da Bahia...’. Bem, se é por falta de adeus, PT saudações."

Inexplicável que se permita um aviltamento de tal porte. Caetano Veloso deveria se restringir ao seu ofício, hoje alquebrado, de cantor e compositor — poupando-nos de seus embustes literários e de seus raciocínios desrespeitosos e bairristas. Afinal, já vão três décadas de requentada MPB e de repetitiva e ultrapassada ideologia dos tempos de 1968.

Vai, então, o presente conselho: Caetano Veloso, feche o bico — se não quiser acabar como tema de novela. Sozinho.

J. D. Borges