Nulo no Segundo Turno

"(O debate) é a oportunidade para o eleitor poder conhecer e avaliar, sem a maquiagem da propaganda eleitoral, as idéias e os planos de governo dos candidatos."

(Sérgio Rondino, jornalista e mediador do primeiro debate do segundo turno das eleições para governador do estado de São Paulo)

Os políticos constantemente afirmam que o povo — emocionado, ignorante, desmemoriado — não sabe votar. Já o povo, se tivesse voz, provavelmente afirmaria que os políticos — hipócritas, maniqueístas e demagogos —, diante de um debate de suma importância como o da disputa ao governo de São Paulo, não sabem se comportar.

Ambos têm razão. A diferença é que o povo, secularmente ignorado, deseducado, inculto, está condenado a fazer o que faz; já os políticos, supostamente conscientes, amadurecidos, experimentados, não têm nenhuma justificativa digna para fazerem o que fazem.

É absolutamente lamentável que o enfrentamento entre os candidatos ao governo do estado mais ilustrado, mais influente e mais rico do Brasil seja pautado pela troca de acusações pessoais, incitando paixões — e não idéias de verdade.

O que acontece? Será que Covas e Maluf, com suas bravatas de apelo fácil, acham que vão nos convencer, nos iludir, nos manipular? Onde se esconde a inteligência dos consagrados engenheiros da Politécnica de São Paulo? Por quê preferem se portar como velhos-gagás — rancorosos, enredeiros e mal-educados?

(E pensar que, com esse "discurso", pretendem se candidatar a futuros ocupantes do Palácio do Planalto...)

Tão condenável quanto a atitude dos candidatos, foi a da platéia — que, como numa competição esportiva, urrava a cada lance favorável ao seu candidato; insultando, com o mesmo vigor, o adversário. Para completar, jornalistas convidados lançaram insinuações infantis, e o mediador não soube se impor em nenhuma hora.

Com a palavra, cada uma das personagens do fatídico encontro do domingo passado.

Primeiro Bloco

"Nós temos que fazer é o sonegador pagar. Quando o sonegador, e aqui no Brasil infelizmente tem muito, eles pagarem, aquele assalariado — que é deduzido automaticamente no seu imposto de renda — aquele não precisar pagar; não precisará mais aumentar o seu imposto." (Maluf, com seu português impecável, em atitude Robin Hood)

Segundo Bloco

"Da maneira que o senhor tem falado do médico da família, dá até vontade da gente ficar doente — porque o médico já vai correndo na casa da gente."  (José Paulo de Andrade, jornalista da rede Bandeirantes, compondo cantiga de escárnio em torno de Covas)

"Então não é só o remédio que a gente vai dar — que a gente continuar dando de graça —, mas na Farmácia do Povo vai ter xampu. Vai ter... é... lógico... sabonetes! E até camisinha de graça. Vai ter, sim senhor, na Farmácia do Povo."  (Maluf, em sua opção pela beleza, pela higiene e pela saúde da Farmácia do Povo)

"Xampu vai ser muito bom, vai dar pra pintar o cabelo." (Covas, em observação imprescindível — acerca do topete tinto do doutor Paulo)

Terceiro Bloco

"Pra gente analisar um candidato é melhor ver o que falam deles os seus amigos." (...) "O senhor concorda que o seu governo é amoral?"  (Covas em "digam-me, os que contigo andam, — que eu te direi quem és")

"Mário Covas tem uma tática interessante: em vez de responder a pergunta, ele ataca, ele agride, ele baixa o nível." (...) "Em matéria de incoerência política Mário Covas, você é campeão. Na prática, você sabe que tudo o que você faz não funciona."  (Maluf mostrando quem baixa o nível)

"‘A opinião pública cunhou um verbo que se chama ‘malufar’ — é um neologismo que significa roubar; faz parte do vernáculo e significar assaltar, aliviar, morder. ‘Ladruf’ é outro neologismo, é ladrão ao quadrado, significa ladrão mais Maluf.’"  (Covas, em elegante citação ao vice de seu adversário: Luiz Carlos Santos)

Quarto Bloco

"Eu vou aqui manter olimpicamente a tranquilidade; tô dentro do seu lar, muito obrigado a você. E vou manter o nível alto de debate, mesmo que o candidato Mário Covas queira baixar o nível." (Maluf, zelando pelo alto nível do debate)

"Não tenho direito a réplica?" "Não tenho direito a réplica?" (Covas, atordoado em meio as regras do debate)

"Burro!" "Burro!" (Platéia, respondendo com educação à dúvida de Covas)

Quinto Bloco

"Isso até quem não é engenheiro entende. Eu não vejo porquê o senhor não vai entender isso." (Covas, desqualificando a inteligência dos "não-engenheiros")

"E matar, inclusive, seria o caso, o caso do maníaco sexual, de você ter prisão perpétua. Este é o problema que tem de ser discutido: que você soltou o maníaco sexual, depois da sua polícia, da primeira morte — pra que ele cometesse mais dez crimes estuprando e matando. Isto é um crime seu!" (Maluf, sobre Covas — o verdadeiro maníaco do parque)

"E outro dia o senhor disse, na televisão, que o seu secretário deve ter medo do senhor. Sabe quem é que trata os outros com pavor e com medo? Hitler... Josef Stalin..."  (Covas, ressuscitando ditadores da época da Segunda Guerra, e acusando a população de São Paulo de eleger mais um político sanguinário)

Sexto Bloco

"Eu discuto programa sim, e discuto muito. Eu quero discutir programa sim, mas a Bandeirantes escolheu um tema." (...) "Tô disposto a discutir programa a hora que for necessária. Em quantas oportunidades acontecer."  (Covas, botando a culpa na Bandeirantes, e prometendo o que não soube cumprir)

"Eu vim, sim, pedir o seu voto. Quero ser um bom, senão até o melhor governador que São Paulo já teve. Eu amo esse estado. Eu amo você! E se alguma vez eu não soube extravasar esse amor, você me desculpe." (Maluf, em comovente encerramento)

Sem Palavras

Depois desta pequena amostra, nem é preciso enfatizar a debilidade dos candidatos, e dos demais participantes do debate.

É uma pena que mais essa oportunidade de diálogo tenha sido desperdiçada. Até porque ambos os candidatos tinham argumentos — bem melhores do que esses — para ocupar o cargo de governador do estado de São Paulo.

Utilizando-se dos mesmos procedimentos, dos mesmos artifícios e dos mesmos ardis, Covas e Maluf, revelaram-se, no confronto direto, "farinha do mesmo saco" (pelo menos no que se refere à ética, à inteligência, à transparência e à temática).

Mereciam, pela cretinice do domingo passado, a nulidade no domingo próximo.

J. D. Borges