Todo mundo tem a sua Lolita

"Mas, pensando melhor, acho que posso dar um pontapé no traseiro dessas imaginações. Sabia que me apaixonara por Lolita para sempre; mas sabia também que ela não seria Lolita para sempre. Faria treze anos no dia 1º de janeiro. Dentro de uns dois anos deixaria de ser uma ninfeta e se transformaria numa ‘mocinha’, e depois — horror dos horrores — numa ‘estudante universitária’."

(Vladimir Nabokov, escritor russo naturalizado estadunidense)

"Lolita", romance de Vladimir Nabokov — recentemente vertido para o cinema por Adrian Lyne — narra a história de Jean-Jacques Humbert, escritor trintão e pedófilo, que, ao fugir de um casamento europeu falido, descobre na América a paixão de sua vida: uma pré-adolescente de doze anos, chamada Dolores, apelidada Lô, eternizada Lolita.

Graças a introdutória incursão pela vida sentimental pregressa do protagonista, fica-nos fortemente sugerido que a paixão de Humbert Humbert por Lolita tem como origem um amor primeiro, inaugural, pioneiro, entre ele, então um rapazola de treze anos, e Annabel, alguns meses mais menina.

Como Annabel vem a falecer precocemente de tifo, Humbert Humbert arrasta a frustração desse amor "natimorto", bem como a imagem de sua bem-amada anos a fio — projetando-a em meninotas que encontra pelas esquinas da vida.

É tão somente em Lolita que ele vislumbra a oportunidade de realizar plenamente o idílio há décadas interrompido...

Ainda que doentia e patológica nesse caso específico, a história de Nabokov traz à tona valores muito particulares do universo masculino.

Pra começar, todo homem já concebeu algum dia a sua própria Lolita. Jovem, linda, intocada, pura, pudica, imaculada. Desconhecedora dos homens e das artes do amor. Ignorante e inocente em matérias como sexo, e senhora de um corpo em todo o seu esplendor.

Por mais que se julgue evoluído, feminista e liberal, o homem pós-moderno ainda pena em aceitar as aventuras sexuais pregressas de seu doce-de-coco. Troca o enfrentamento da realidade, da humanidade de uma experiente parceira, pelo porto seguro sem surpresas das ninfas virginais de cérebro oco.

Ademais, jovens moçoilas oferecem menor resistência a uma dominação, a um esquema de submissão, a uma imposição de idéias e princípios — ao contrário de mulheres mais maduras: donas de personalidades mais sólidas e menos coercíveis.

Afora a superfície retesada, as curvas mais pronunciadas, os membros, mamas, nádegas e genitais menos desgastados e mais hirtos, das lolitóides de ocasião.

Assim a tentação de "lolitar" é, dentre os homens, grande.

Mesmo avatares do "amor-livre", da igualdade entre os sexos e do "paz e amor", renderam-se a esse ditame biológico que obriga o macho a ser, na vida de sua companheira, primeiro, único e último. (Vide Caetano Veloso que, aos quarenta anos, deflorou sua Lolita de treze, Paula Lavigne — a qual desposou anos depois; durando o casamento até hoje.)

Mesmo intelectuais amplos e artistas renomados de um mundo dito mais civilizado, não resistiram ao apelo do "pega pra criar" de estagiárias em flor. (Vide J. D. Salinger com sua aprendiz de escritora Joyce Maynard — a qual iniciou aos dezoito anos, quando a mesma nem sequer havia visto um único homem nu.)

Por quê será que, mesmo dentre os mais avançados hominídeos, ainda paira essa preferência irracional, "universal" e irredutível?

Preconizam os otimistas do humanismo uma revolução em que as imposições e tendências mais biológicas de homens e mulheres seriam sobrepujadas — dando lugar a um comportamento livre de injunções sexistas e de atitudes menos hormonais (menos "típicas").

Freud, no entanto, não explica.

Em todo o caso, temos de acreditar num equilíbrio, numa terza via.

De todo modo, o mulherio descobrirá como superar essa desvantagem, lolitando com igual galhardia. Como, aliás, tem feito dia a dia. (Vide quarentonas e cinqüentonas rodeadas de vintões e trintões de toda a espécie.)

E você, já encontrou a sua Lolita?

J. D. Borges