Por uma Convivência Eleitoral mais Plácida

São Paulo, 4 de outubro de 1998, doze horas.

Carros se amontoam nos arredores dos principais colégios "eleitorais". Como num dia qualquer de rush, motoristas ansiosos definem arbitrariamente a sua "preferencial". Filas de pessoas, na porta das escolas, murmuram sob o sol: "que absurdo, que absurdo". Alados teenagers vem engrossar as fileiras dentro e fora das seções, exercendo o seu direito de voto alienado e/ou de cabresto.

Três indagações básicas acerca do momento atual: aumentou o número de automóveis? aumentou o número de votantes? cresceu, no Brasil, o chamado "poder jovem"?

Não, não, e não. É a informática, que chegou para modernizar e agilizar o nosso processo eleitoral! Se antes você demorava meia hora para parar o carro, entrar na zona, subir as escadas, achar a seção, apresentar o título, pegar a cédula, marcar os candidatos, depositar o voto e assinar a lista — agora você demora quatro vezes mais.

Isso pois trocamos os trâmites daquele pedaço de papel ancestral pelas sofisticadíssimas urnas com botões de apertar. Isso pois os nossos benquistos engenheiros de tráfego — superestimando a vazão provida pela parafernália computadorizada — trataram de diminuir o número de urnas por seção eleitoral.

Três singelos insights pós empurra-empurra votacional: por quê não se vota pela Internet? por quê não se troca o chatíssimo horário eleitoral gratuito por detalhadas home-páginas dos candidatos? por quê não se substitui a fatigante apuração televisiva por divulgações de boletins virtuais na WWW?

Imagine não ter de acordar cedo para votar. Imagine não ter de esperar a sua vez de votar. Imagine não ter de perder o domingo inteiro para votar.

Imagine escolher o seu candidato por critérios os mais complicados, tais como: quilômetros de metrô anunciados, número de casas populares (a edificar), verba estimada para educação e cultura, propostas na área da saúde, soluções para o desemprego e a segurança pública. Imagine vasculhar-lhe o passado: número de escândalos por temporada, indícios comprovados de corrupção, assiduidade no plenário, número de projetos aprovados, número de projetos rejeitados, leis que pegaram, emendas em voga.

Que tal dispor de resultados comparativos entre gestões diferentes? Que tal consultar, via e-mail, o seu candidato, tirando dúvidas acerca do programa de governo? Que tal trocar os maquiados debates da telinha por enfrentamentos, em chats, on-line?

E que tal ver-se livre da programação repetitiva, lenta e enfadonha dedicada à apuração dos votos nos mais de vinte estados? E que tal acabar com as bocas-de-urna, com os cabos eleitorais mercenários — entregadores de adesivos, bandeiras, santinhos, camisetas, bonés e botons — que só fazem emporcalhar a cidade?

Essa pequena revolução de costumes requer, no entanto, uma consciência política como nunca houve jamais. Afinal o eleitorado de hoje não se seduz pelas minúcias dos planos de governo, mas sim pela plasticidade das imagens e dos efeitos especiais. Segundo Rubem Alves, é uma verdade que se arrasta desde os tempos áureos de Maquiavel, que afirmava: "o príncipe, antes de justo, deve parecer ser justo". Segundo historiografia recentemente evocada, tal verdade se arrasta desde os tempos cesáreos, em que se afirmava: "a mulher de César, além de honesta, deve parecer honesta."

Desanimados revolucionários de outrora, como Gabeira, o verde deputado, enxergam na consagração do marketing e das imagens, o início do descaso pelas instituições e agremiações políticas, antes exultadas. Diz ele que, com a introdução do voto facultativo, a disputa ficaria relegada a planos obscuros, muito aquém das luzes da ribalta — como acontece nos Estados Unidos e na Velha Europa.

Talvez fosse melhor.

Talvez assim acabássemos com os superstars, com os super-heróis e com os super-patetas que ainda prometem salvar a pátria. Talvez findasse o glamour da profissão política, redimensionada para o patamar de uma ocupação qualquer, trivial, prosaica.

Talvez, então, o processo eleitoral se tornasse mais humano, menos mundano, mais eficiente e menos transcendental.

J. D. Borges